Sobre

Esses trabalhos começam há doze anos com um investimento duradouro na aquarela, logo marcado pela vontade de rasurar e interferir sobre ela, velando a transparência que a caracteriza, e por um gosto pela experimentação com os materiais usados, mixando-os com materiais próximos (ou distantes). A imagem gráfica surge desde cedo, como uma variante gestual nascida da figuração ou da mancha de tinta.

Uma série de escolhas vão se colocando: a da pintura - tida como inatual - e do desenho, às vezes subjacente, outras autônomo. Mais adiante será preciso reconhecer a pintura à óleo como uma disciplina exigente e que pede contenção, em contraponto com os acasos e a indeterminação sempre presentes. É assim que a lentidão do óleo, com a sobreposição de camadas que tem uma temporalidade própria, sucede ao efêmero/instantâneo de um certo tipo de aquarela, feita de uma só vez, como um desafio do papel ao gesto.

Seguir a intuição, tendo o acaso como guia, induz a colecionar imagens por anos a fio, como num arquivo de projetos impensados, no qual será preciso criar um sentido: recolher e desdobrar o que, por algum motivo, interessa. Nada de uma forma pré-visualizada, de um conceito ou modelo a seguir, de um plano anterior à realização da pintura e aos procedimentos materiais que a constituem (ainda que o olho treinado e a memória tenham sempre suas escolhas e afetos).

Trabalhar em séries permite mais facilmente evidenciar o sentido, na apropriação de imagens de qualquer procedência, sem preconceito, ou utilizando as que resultam de fotos pessoais. Assim como a apropriação de inscrições presentes nas ruas, que alimentam uma pesquisa da deriva urbana, da pixação e do precário – tempo livre fora da condição de mercadoria – aproximando-a de certa tradição gestual da segunda metade do século XX. Alguns motivos e temas são recorrentes: no início, corpo e movimento, corpo e espaço, corpo e linguagem, que darão lugar a afetos, memória, identidades cambiantes, temporalidades cruzadas. Por fim, a um olhar urbano sobre o que escapa, margeia, e também sobre estruturas, geometrias e formas arquitetônicas. E desde sempre a presença da palavra, ou de signos da escrita, muitas vezes ilegíveis na pintura. Sob a ideia de contaminação, entram os recursos ordinários que houver: a poesia, a rua, a letra de música, a frase ocasional, o dito fragmentado, o texto de alguém.

Os trabalhos mais recentes partem de imagens ocasionais, costuradas pelo conceito de Estase: narrativa do tempo suspenso, em tensão, comentário ao contemporâneo pleno de saturação e impasses. Em paralelo, há sempre um pensar para dentro da pintura, sem nenhum outro referente que não o gesto e seus materiais.

Belo Horizonte, dezembro de 2012.